Texto de Nolini Kanta Gupta.
JÁ HOUVE religiões, tentativas de aproximação do Divino, que não acreditavam na divindade do homem como, por exemplo, a linha da Caldéia ou a Semítica. De acordo com elas, o Criador e o Criado são separados em ser e natureza; chamar de Deus qualquer coisa criada é blasfêmia.
Os egípcios antigos, os hebreus ou muçulmanos, colocam Deus lá em cima no paraíso e, do seu ponto de vista, o homem só pode ser seu servo ou escravo, seu trabalhador ou guerreiro.
O homem é muito pequeno e muito terreno para identificar-se com Deus: só pode ser um adorador. O homem pode amar a Deus, no máximo, como seu Amado. Mas esta devoção é dirigida a algo distante, como o desejo da mariposa pela estrela. E igualar os dois é confundir realidades. O homem, como adorador e devoto, pode alcançar certas qualidades divinas, mas limitadas e modificadas e sempre humanizadas de um modo geral. E Deus nunca pode se tornar homem.
Ele envia seu representante, seu vigário, profeta ou apóstolo que age por ele, em e através de quem Ele age, mas Ele próprio não desce e se reveste da forma carnal. O universo é obra de Deus e atesta seu milagre e sua glória; mas o universo não é Deus. Entre o relógio e o relojoeiro há sempre um hiato e uma incomensurabilidade.
Deus e o Vedanta
Mas podemos nós dizer:
- Nasci de Deus e contudo não sou Deus?
Assim, os indianos audaciosamente declaram que tudo isto é o Divino supremo, não há nada que não seja o Divino — sarvam khalvidam brahma — Eu sou Ele, Tu és Aquilo, ou ainda, Aquilo que está em mim e o Ser consciente que está lá no sol, são uma e a mesma coisa. Deus criou o homem e o mundo, Ele está no homem e no mundo, Ele tornou-se e é o homem e o mundo.
Não apenas isso.
Deus não apenas tornou-se o torrão de terra reduzindo Seu potencial a zero, por assim dizer, mas Ele desce, frequentemente, em Seu próprio Ser e consciência, aqui para baixo, assumindo uma forma humana, para um trabalho e propósito especiais. Esta é a concepção indiana do Avatar.
Deus e o Cristianismo
A concepção cristã parece ocupar uma posição intermediária, sendo uma espécie de elo que liga as duas. Cristo não é apenas o Filho de Deus, mas é também o Deus-Homem — ele afirma muito clara e categoricamente que ele e o Pai no céu são um e que todos deveriam ser tão perfeitos como o próprio Deus.
Contudo, uma diferença é ainda mantida. Em primeiro lugar, a respeito do nascimento. O Deus-Homem não nasceu do pecado como os mortais comuns, mas uma virgem imaculada deu-lhe nascimento.
E em relação à união ou identidade de Pai e Filho, a fusão não é absoluta. Pede-se ao homem que seja tão puro e perfeito como Deus, mas unicamente em espécie e não em ser e substância.
Deus e os Vaishnavismo
As almas purificadas e perfeitas sentam-se ao lado de Deus no céu, não se perdem em Deus. A concepção Vaishnava na Índia pertencia à mesma linha. De acordo com ela, a alma liberada mora com Deus no mesmo mundo, possuindo as qualidades de Deus — a união é a de Salokya [1] e Sadharmaya [2] — mas ela não se torna una e indivisível com Deus (Sayujya [3]).
[1] - Salokya: morada da alma do Divino.
[2] - Sadharmaya: identidade em natureza.
[3] - Sayujya: identificação com o Real e o Eterno.
Deus e o Sufismo
A doutrina Sufi também ocupa uma posição intermediária como a Cristã, entre a da Caldeia e a Vedântica. A absoluta identidade do amante humano e o Divino Amado, a completa fusão dos dois em um estágio particular ou num momento de consciência, é uma das experiências cardinais da disciplina Sufi.
Mas este é um estado íntimo, não normal e habitual na vida e na atividade, onde a diferença, a separação entre o adorador e o adorado, é mantida exatamente para o deleite do jogo.
Deus Encarnando
Mas o dualismo da disciplina Hindu é mais do que compensado pela doutrina da Encarnação, que elimina fundamentalmente toda diferença entre o humano e o Divino.
De acordo com ela, Deus não se torna homem apenas uma vez, como na concepção Cristã, mas isso é uma de suas funções constantes. De fato, a tradição indiana diz que Ele é sempre o líder da evolução terrestre; a cada crise, a cada momento quando é necessária sua orientação, Ele desce em carne e osso, na forma de criatura terrena para mostrar o caminho, como viver e andar e agir.
A contribuição especial da linha de disciplina da Caldeia volta-se para outra direção. Ela não cultivava tanto as linhas mais elevadas de realização espiritual, mas ocupava-se com o que pode ser chamado de regiões intermediárias, o mundo oculto.
Deus Move o Mundo
Este universo material não é movido por forças físicas, vitais [4] ou mentais, que são aparentes ou demonstráveis, mas por outras forças secretas e sutis. De fato, estas são as forças-motivo, os agentes reais que planejam e iniciam os movimentos na Natureza, enquanto que as forças aparentes são apenas as formas externas ou mesmo máscaras. Este ocultismo também foi praticado largamente no Egito antigo, de onde os Gregos adotaram umas poucas linhas.
[4] – relativo ao Plano Astral ou estado sutil da consciência.
Deus e o Ocultismo
Os mistérios — Órficos e Eleusianos — cultivaram a tradição dentro de um círculo restrito e de um modo muito esotérico. A tradição continuou na Igreja Cristã também e num grupo fechado formado no seu coração, que praticou e manteve vivo algo desta ciência antiga. Os princípios e dogmas externos da Igreja não admitiam nem toleravam aquilo que era considerado magia negra, a Ciência do Diabo. A razão evidente disso era que, se alguém seguisse esta linha de ocultismo e provasse o poder que ela conferia, podia muito provavelmente desviar-se do caminho direto e estreito que conduzia ao Espírito e à salvação espiritual.
Também na Índia, os siddhis ou poderes ocultos são sempre evitados por aqueles que são verdadeiramente espiritualizados, embora sejam procurados por muitos que seguem a vida espiritual—frequentemente com resultados desastrosos. No Cristianismo, lado a lado com os maiores santos, sempre houve um grupo ou uma linha de praticantes que seguiram o sistema oculto, embora externamente observassem o credo oficial. É curioso notar que, geralmente, onde o texto original da Bíblia fala de deuses no plural, referindo-se às deidades ou poderes ocultos, a versão oficial traduz como Deus, para dar a atmosfera e os valores teísticos necessários.
Mas, se o ocultismo deve ser temido por causa do seu mau uso e perigo potencial, a espiritualidade também deve ser colocada no mesmo plano. Todas as boas coisas no mundo têm sua deformação e perigo, mas isto não é razão para que sejam completamente evitadas. É necessário atitude e discriminação corretas, treinamento e disciplina.
Espiritualidade Dinâmica
Visto sob a luz verdadeira, o ocultismo é espiritualidade dinâmica. Em outras palavras, procura expressar, executar e trazer para a vida material, os poderes e princípios do Espírito, através da intervenção de forças mais sutis da mente e da vida e do físico sutil. O ocultismo é naturalmente evitado por aqueles que adoram, que procuram experimentar o Espírito transcendente, Deus nos Céus, mas é um instrumento indispensável para aqueles que se empenham em manifestar o Divino em uma forma concreta.
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