Quem é o Seu Herói?

Texto de Dudu Lopes

TODO SER HUMANO tem, dentro de si, uma necessidade enorme de heróis ou heroínas. Essa necessidade surge da incapacidade de superarmos nossas limitações, procuramos supera-las através de um modelo ou alvo a se alcançar, para onde focamos nossos esforços.

Esse aspecto da mente humana foi utilizado pelo Yoga para auxiliar na evolução espiritual na forma do Ishta Devata ou Divindade Individual. O Ishta Devata é apontado pelo Guru como um ideal a se alcançar, como um herói pessoal.

É difícil viver a vida sem heróis, sem onde nos espelharmos; é tão difícil que todas as pessoas que você conhece, incluindo você mesmo, possui um ou muitos heróis em que espelha seus ideais, mesmo que não tenha consciência disso.

O Serial Killer

Os heróis são muito importantes porque expressam perfeição, apontam direção, organizam o comportamento, transformam a personalidade. Do pobre garotinho que se espelha no ídolo do futebol até o gênio da pintura que se espelhou num grande pintor clássico, todos utilizam a mesma característica da mente humana, a necessidade de heróis.

Os heróis, assim como pais e mães, não existem como pessoas, são projetados em pessoas e quando são confundidos com as pessoas, aí começam os problemas. Existe um dito hindu que diz que não se copia os defeitos do Guru, só suas virtudes.

Quando se encontra um herói, a gente deve entender que o herói não é a pessoa ou o conjunto do personagem, mas somente os seus pontos positivos. A inteligência e determinação de um serial killer pode nos causar admiração, mas quem admira o homem que contém a triste fraqueza de causar sofrimento e morte, esse não encontrou um herói mas uma justificativa para a sua própria fraqueza.

Somente fracos podem causar sofrimento e morte. Qualquer criança pode causar sofrimento e morte, e a gente sempre se espanta quando vê uma criança tendo um ato de bondade gratuita com um coleguinha, porque a bondade requer força, grandeza de caráter e maturidade.

E é força, grandeza de caráter e maturidade que buscamos nos heróis.

Outra característica que deve ser respeitada, no que diz respeito aos heróis, é que os heróis devem ser pessoais, individuais. Não se pode, como querem algumas religiões e ditaduras políticas, escolher os heróis para os outros. Não é à toa que religiões que insistem em impor apenas os seus heróis a toda humanidade são as mais responsáveis por grande violência, e também não é à toa que as ditaduras começam transformando líderes em heróis nacionais e usam a violência para se manterem como heróis depois que chegam ao poder.

O Sábio

A força do herói para as pessoas é muito grande. E muitas vezes confundida com outras coisas. Uma coisa que me dói os ouvidos é quando ouço coisas como:

- É como meu pai diz: quem com ferro fere, com ferro será ferido.

E sempre respondo silenciosamente:

- Seu pai diz isso e mais os pais de toda a torcida do Flamengo.

Essa é o erro típico de atribuir a uma pessoa comum, o heroísmo da sabedoria da humanidade. Me lembro de uma entrevista com um sujeito de origem muito pobre que disse que considerava seus pais músicos porque gostavam de ouvir música no rádio. É o mesmo que dizer que o farofeiro no domingão na praia é um chef francês. Mais um exemplo de atribuir a uma pessoa comum, o heroísmo da sabedoria.

Músico não é quem desfruta da música, é quem tem a sabedoria da música, é quem se dedicou anos de estudo para conseguir a perfeição ou chegar perto da perfeição musical. Sábio é quem vive com sabedoria e não quem desfruta da sabedoria alheia, o sábio dedica os seus anos à sabedoria, o admirador do sábio só desfruta da sabedoria quando está com problemas.

É muito fácil a gente concluir que os verdadeiros heróis são os atributos positivos e não as pessoas ou personagens. São as virtudes os verdadeiros heróis, heróis não são pessoas são atributos.

O Torcedor

Algumas pessoas chegaram até aí, mas ainda confundem atributos comuns com atributos heroicos. É como o torcedor que considera o seu time o melhor, mesmo que todos os fatos contradigam isso. Torcer dessa forma é um ato ignorante por si. Eu detesto ignorância, por isso não gosto de torcer, ou torço pelo melhor jogador ou uma melhor estratégia em campo.

Mas o melhor jogador só é bom pela qualidade de sua jogada e não pelo seu nome ou sua imagem. E as pessoas gostam de nomes e de imagens e não de virtudes. Nós preferimos nomes e imagens a virtudes. E isso é torcer: admirar nome e imagem, e não virtude.

Você pode justificar suas fraquezas admirando nomes e imagens mas nunca pode justifica-las admirando virtudes. "Estou bêbado porque o Flamengo ganhou" - você pode dizer isso admirando o nome e a imagem do Flamengo, mas não pode dizer "estou bêbado porque a sobriedade sempre ganha", ninguém pode justificar a bebedeira com a virtude da sobriedade, não é possível.

O Famoso

Enquanto a virtude aponta o herói, o nome e a imagem apontam o famoso.

Há uma grande diferença mas as pessoas não estão percebendo e as forças que manipulam as massas fazem questão de manter essa confusão porque se pode criar um famoso, mas não se pode criar um herói; o herói exibe a virtude, o famoso exibe nome e imagem, se pode criar nome e imagem mas não se pode criar virtude.

Cada vez mais, cantores de meia tigela com bons nomes e boas imagens, poluem mais e mais o imaginário das massas deixando as pessoas sedentas de nomes e imagens, esquecidas da virtude do canto e, curiosamente, cada vez encontro menos pessoas que identificam uma voz desafinada.

O Virtuoso

O artista virtuoso é aquele que toca com perfeição e não aquele com o nome famoso ou com uma bela imagem.

Deveríamos escolher nossos heróis tendo isso em mente, e não deixar que a repetição constante nos convença do "heroísmo" de uma pessoa.

Construa você mesmo seus heróis, seja admirando pessoas de seu círculo, seja admirando pessoas famosas (!) pelo seu heroísmo, seja admirando personagens históricos ou de ficção, como aquele herói de seu filme preferido, pouco importa, o que importa é que seja você quem escolhe os seus heróis baseado em suas virtudes e não pela facilidade de lembrar seus nomes ou pelo prazer que suas imagens causam.