domingo, 4 de agosto de 2013

Cristo, o Mensageiro–Parte II

Texto de Swami Vivekananda.
Em 1900.

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VAMOS AGORA estudar um pouco da vida de Cristo, a Encarnação dos judeus.

Quando Cristo nasceu, os judeus estavam nesse estado que eu chamo de um estado de queda entre duas ondas, um estado de conservadorismo, um estado onde a mente humana está, por assim dizer, cansada de avançar por um tempo e está só tomando cuidado do que ela já tem; um estado em que a atenção está mais voltada para as particularidades, para os detalhes, do que para os grandes, gerais, e maiores problemas da vida, um estado de estagnação, ao invés de um seguir adiante; um estado de sofrer mais do que de fazer.

Veja, eu não culpo este estado de coisas.

Não temos direito de criticá-lo - porque se não fosse por esta queda, a próxima subida, que foi incorporada em Jesus de Nazaré teria sido impossível. Os fariseus e saduceus poderiam ter sido insinceros, eles poderiam ter feito coisas que não deveriam ter feito, eles poderiam ter sido até mesmo hipócritas; mas quaisquer que fossem esses fatores foram a própria causa, da qual o Mensageiro foi o efeito.

Os fariseus e saduceus em uma extremidade foram o impulso que saiu do outro lado, como o cérebro gigantesco de Jesus de Nazaré.

A Energia Espiritual

A atenção às formas, às fórmulas, aos detalhes cotidianos da religião, e aos rituais, às vezes pode ser ridicularizada; mas, mesmo assim, dentro deles há força.

Muitas vezes, na pressa para avançar perdemos muita força.

Como um fato, o fanático é mais forte do que o homem liberal. Mesmo o fanático, portanto, tem uma grande virtude, ele economiza energia, uma quantidade enorme dela.

Tal como é com o indivíduo também é com a raça, a energia é reunida para ser conservada.

Cercada por todos os lados por inimigos externos, obrigada a se concentrar em um centro pelos romanos, pelas tendências helênicas no mundo do intelecto, pelas ondas da Pérsia, Índia e Alexandria - cercada fisicamente, mentalmente e moralmente – lá estava a raça com uma inerente, conservativa, força tremenda, que os seus descendentes não perderam até hoje.

E a raça foi forçada a se concentrar e focar todas as suas energias em Jerusalém e no Judaísmo. Mas todo o poder quando uma vez reunido não pode permanecer recolhido; ele deve gastar-se e expandir-se.

Não há poder na terra que pode ser mantido por muito tempo confinado dentro de um limite estreito. Ele não pode ser mantido comprimido por demasiado tempo para permitir a expansão de um período subsequente.

Esta energia concentrada entre a raça judaica encontrou sua expressão no período seguinte, no surgimento do Cristianismo.

Os córregos recolhidos se reuniram em um corpo. Gradualmente, todos os pequenos riachos se uniram, e tornaram-se uma onda surgindo, no topo da qual encontramos destacando-se a figura de Jesus de Nazaré.

A Criação do Profeta

Assim, cada Profeta é uma criação do seu próprio tempo, a criação do passado de sua raça, ele mesmo é o criador do futuro. A causa de hoje é o efeito do passado e a causa para o futuro. Nesta posição está o Mensageiro.

Nele se materializa tudo o que é o melhor e maior em sua própria raça, o significado, a vida, pela qual que essa raça tem lutado por muito tempo; e ele mesmo é o impulso para o futuro, não só para sua própria raça, mas para incontáveis outras raças do mundo.

Jesus do Oriente

Devemos ter outro fato em mente: a minha visão do grande Profeta de Nazaré seria do ponto de vista do Oriente. Muitas vezes você se esquece, também, que o próprio Nazareno era o oriental dos orientais.

Com todas as suas tentativas de pintá-lo com olhos azuis e cabelo amarelo, o Nazareno ainda era um oriental. Todas as metáforas, as imagens, com que a Bíblia foi escrita - as cenas, os locais, as atitudes, os grupos, a poesia, o símbolo, - falam com você do Oriente: do céu brilhante, do calor, do sol, do deserto, dos homens sedentos e animais, de homens e mulheres que vêm com jarros em suas cabeças para enchê-los nos poços, dos rebanhos, dos lavradores, do cultivo que está acontecendo ao seu redor; da azenha e roda, da represa, das mós.

Tudo isso pode ser visto hoje na Ásia.

Os Gregos

A voz da Ásia tem sido a voz da religião. A voz da Europa é a voz da política. Cada uma é grande em sua própria esfera.

A voz da Europa é a voz da Grécia antiga. Para a mente grega, sua sociedade imediata foi tudo em tudo: além disso, é bárbara. Ninguém a não ser o grego tem o direito de viver. O que quer que os gregos façam é certo e correto; tudo o mais que existe no mundo não é nem certo, nem correto, nem deveria ter permissão para viver.

É intensamente humana em sua compreensão intensamente natural, intensamente artística, portanto. O grego vive inteiramente neste mundo. Ele não se preocupa em sonhar. Mesmo a poesia é prática.

Seus deuses e deusas não são apenas seres humanos, mas intensamente humanos, com todas as paixões e sentimentos humanos, quase o mesmo que como qualquer um de nós.

Ele ama o que é belo, mas, lembre-se, é sempre a natureza externa, a beleza das montanhas, das neves, das flores, a beleza das formas e das figuras, a beleza do rosto humano, e, mais frequentemente, na forma humana - isto é o que os gregos gostavam.

E os gregos sendo os professores de todos os europeus posteriores; a voz da Europa é grega.

A Ásia

Há outro tipo na Ásia.

Pense nesse vasto, imenso continente, cujos topos das montanhas vão além das nuvens, quase tocando a copa do céu azul; um imenso deserto de quilômetros e quilômetros onde uma gota de água não pode ser encontrada, nem uma folha de grama crescer; intermináveis florestas e rios gigantescos correndo para o mar.

No meio de todos estes ambientes, o amor oriental pelo belo e pelo sublime desenvolveu-se em outra direção. Ele olhou para dentro, e não fora.

Há também a sede pela natureza, e também há a mesma sede de poder; há também a mesma sede por excelência, a mesma ideia do grego e bárbaro, mas ela se estendeu sobre um círculo maior.

Na Ásia, ainda hoje, nascimento ou cor ou língua nunca fazem uma raça.

O que faz uma raça é a sua religião. Somos todos cristãos, somos todos muçulmanos, somos todos os hindus, ou todos budistas. Não importa se um budista é um chinês, ou é um homem da Pérsia, eles pensam que são irmãos, porque professam a mesma religião.

A religião é o laço, a unidade da humanidade.

E então, novamente, o oriental, pela mesma razão, é um visionário, um sonhador nato.

As ondulações das cachoeiras, o canto dos pássaros, as belezas do sol e da lua e as estrelas e toda a Terra são bastante agradáveis; mas eles não são suficientes para a mente oriental. Ele quer sonhar um sonho além. Ele quer ir além do presente.

O presente, por assim dizer, é nada para ele. O Oriente foi o berço da raça humana por muito tempo, e todas as vicissitudes da fortuna estão lá - reinos sucedendo reinos, impérios sucedendo impérios, o poder humano, glória e riqueza, tudo sucedeu lá; um Gólgota ​​de poder e aprendizagem. Esse é o Oriente: o Gólgota de poder, de reinos, de aprendizagem.

Não se admire, a mente oriental olha com desprezo para as coisas deste mundo e naturalmente quer ver algo que não muda, algo que não morre, algo que em meio a este mundo de miséria e morte é eterno, bem-aventurado, imortal.

Os Profetas Orientais

Um Profeta oriental não se cansa de insistir a respeito desses ideais; e, como profetas, você também deve se lembrar de que, sem uma única exceção, todos os Mensageiros eram orientais.

Vemos, portanto, na vida deste grande Mensageiro de vida, o primeiro lema: "Não esta vida, mas algo superior"; e, como o verdadeiro filho do Oriente, ele é prático nisso.

Vocês no Ocidente são práticos em seu próprio departamento, em assuntos militares, e na gestão de círculos políticos e outras coisas. Talvez o Oriental não seja prático nesses meios, mas ele é prático em seu próprio campo, ele é prático na religião.

Se alguém prega uma filosofia, amanhã há centenas de pessoas que vão lutar o melhor que podem para praticá-la em suas vidas. Se um homem prega que estar em um pé poderia levá-lo à salvação, ele conseguirá imediatamente quinhentos para ficar em um pé. Você pode chamá-lo de ridículo; mas, veja bem, debaixo disso está sua filosofia – esta intensa praticidade.

Os "Profetas" Ocidentais

No Ocidente, os planos de salvação significam ginástica intelectual - planos que nunca funcionaram, nunca foram trazidos para a vida prática.

No Ocidente, o pregador que fala melhor é o maior pregador.

Assim, encontramos Jesus de Nazaré, em primeiro lugar, o verdadeiro filho do Oriente, intensamente prático. Ele não tem fé neste mundo evanescente e todos os seus pertences.

Não há necessidade de interpretações exageradas e distorcidas (text-torture), como é a moda no Ocidente nos tempos modernos, não há necessidade de esticar os textos até que não se estiquem mais. Os textos não são uma borracha da Índia, e mesmo ela tem seus limites. Então, sem fabricar uma religião para agradar indevidamente ao senso de vaidade dos dias de hoje!

Jesus para os Ocidentais

Veja, sejamos todos honestos.

Se não podemos seguir o ideal, vamos confessar a nossa fraqueza, mas não degradá-lo; não deixe qualquer tentativa puxá-lo para baixo. Alguém fica doente do coração diante dos diferentes relatos da vida de Cristo, que os ocidentais dão.

Eu não sei o que ele era ou o que ele não era!

Alguém poderia fazer dele um grande político; outro, talvez, faria dele um grande general militar; outro, um grande judeu patriótico, e assim por diante.

Existe algum fundamento nos livros para todas essas suposições?

O Jesus Verdadeiro

O melhor comentário sobre a vida de um grande mestre é a própria vida dele.

"As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça."

Isso é o que Cristo diz ser o único caminho para a salvação; ele não estabelece nenhum outro caminho. Vamos admitir humildemente que não podemos fazer isso. Nós ainda temos predileção por "mim e minha". Queremos propriedade, dinheiro, riqueza.

Ai de nós!

Vamos nos confessar e não envergonhar este grande Mestre da Humanidade! Ele não tinha laços familiares. Mas você acha que, aquele Homem tinha quaisquer ideias físicas nele? Você acha que, esta massa de luz, esse Deus e não homem, desceu à terra, para ser o irmão de animais?

E, no entanto, as pessoas fazem-no pregar todos os tipos de coisas.

Ele não tinha nenhuma ideia do sexo! Ele era uma alma! Nada além de uma alma - apenas manobrando um corpo para o bem da humanidade, e que era toda a sua relação com o corpo.

Na alma não há sexo. A alma desencarnada não tem relação com o animal, nenhuma relação com o corpo.

O ideal pode estar muito longe, para além de nós. Mas não importa, mantenha o ideal. Vamos admitir que este é o nosso ideal, mas não podemos alcançá-lo ainda.

A Missão de Jesus

Ele não tinha outra ocupação na vida, nenhum outro pensamento, exceto aquele, que ele era um espírito. Ele era um espírito imaterial, ilimitado, não ligado. E não somente isso, mas ele, com a sua visão maravilhosa, descobriu que cada homem e mulher, seja judeu ou gentio, seja rico ou pobre, seja santo ou pecador, era a encarnação do mesmo espírito imortal como ele próprio.

Portanto, o único trabalho que toda a sua vida mostrou foi o de chamá-los a realizar sua própria natureza espiritual.

Desistam, diz ele, desses sonhos supersticiosos de que vocês são baixos e que vocês são pobres. Não pense que vocês estão sendo espezinhados e tiranizados como se fossem escravos, pois dentro de vocês existe algo que nunca pode ser tiranizado, nunca ser espezinhado, nunca ser incomodado, nunca ser morto.

Vocês todos são filhos de Deus, espírito imortal.

"Saiba", ele declarou, "o Reino dos Céus está dentro de você." "Eu e o Pai somos um."

Você se atreveria a se levantar e dizer, não só que "Eu sou o Filho de Deus", mas também encontrar no fundo do meu coração que "Eu e o Pai somos um"?

Isso foi o que Jesus de Nazaré disse.

Ele nunca fala deste mundo e desta vida. Ele não tem nada a ver com isso, exceto que ele quer se apossar do mundo como ele é, dar-lhe um empurrão e conduzi-lo para a frente e adiante até que todo o mundo tenha atingido a luz resplandecente de Deus, até que todo mundo tenha realizado sua natureza espiritual, até que a morte tenha desaparecido e a miséria banida.

O Jesus Histórico

Nós lemos histórias diferentes que foram escritas sobre ele; conhecemos os estudiosos e os seus escritos, e a mais elevada crítica, e nós sabemos que tudo o que foi conseguido pelo estudo.

Nós não estamos aqui para discutir o quanto do Novo Testamento é verdade, nós não estamos aqui para discutir o quanto daquela vida é histórica. Não importa em absoluto se o Novo Testamento foi escrito dentro de 500 anos de seu nascimento, nem importa mesmo, quanto daquela vida é verdadeira.

Mas há algo por trás, algo que queremos imitar.

Para contar uma mentira, você tem que imitar uma verdade, e esta verdade é um fato. Você não pode imitar o que nunca existiu. Você não consegue imitar aquilo que você nunca percebeu. Mas deve ter havido um núcleo, um enorme poder que desceu, uma manifestação maravilhosa do poder espiritual - e é disso que estamos falando.

Isto está ali.

Portanto, não temos medo de todas as críticas dos estudiosos. Se eu, como um oriental, tenho que adorar a Jesus de Nazaré, só me resta uma maneira, isto é, adorá-lo como Deus e nada mais. Não temos o direito de adorá-lo dessa maneira, você quer dizer? Se nós O trazemos para o nosso próprio nível e simplesmente prestamos-Lhe um pouco de respeito como um grande homem, por que devemos adorar então?

Nossas escrituras dizem: "Estes grandes filhos da Luz, que manifestam a Luz eles mesmos, que se são Luz eles mesmos, eles, sendo adorados, tornam-se, por assim dizer, um conosco e nos tornamos um só com eles”.





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